O BOM GOVERNO DE PORTUGAL!!!
Uma das coisas
eticamente mais condenáveis é a calúnia, ainda por cima se gratuita.
O governo de Portugal tem sido injustamente caluniado e vilependiado na praça
pública, sendo apelidado, a maior parte das vezes, de incompetente.
Os críticos mais moderados elevam pensamentos de sublime compreensão, quase um
“Pai, perdoai-lhes, não sabem o que
fazem!”
Outros, talvez mais arrivistas, pedem a cabeça do Presidente da República, do
Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo.
Também corre por aí à boca cheia que este governo não passa de um bando de
garotos incompetentes com um senhor já de cabelos brancos à mistura, senhor
esse que, apesar da idade que aparenta, ainda não passou as crises próprias da
adolescência. Devem referir-se ao ilustre Ministro da Presidência e dos
Assuntos Parlamentares, o qual destoa bastante no meio da garotada.
O texto que se segue tem por objectivo por fim à calúnia e ao insulto injustos,
demonstrando a elevada competência e a sublime inteligência do bom governo de
Portugal.
Aquele senhor das barbas, Karl Marx, exaustivamente chamado a este blog,
referia que a queda tendencial da taxa de lucro
se reflectia frequentemente nos movimentos da economia política burguesa. Como
que uma irresistível força que os governos da burguesia tentam contrariar a
todo o custo.
Ainda o mesmo barbudo explicava que, para travar e inverter esse processo de queda tendencial da taxa de lucro, o
capital seria compulsivamente obrigado, em última instância, à destruição de valor.
Trata-se de destruir
valor para restaurar a taxa de lucro, inteligente estratégia de
recuperação em momentos de crises graves de acumulação de capital.
Aliàs, repetindo de novo o velho Marx, “o capital não
pode permanecer, ou acumula, ou morre!”.
Claro que os gestores dos seus negócios, no nosso caso o bom governo de
Portugal, têm que evitar a todo o custo a sua morte.
Pode doer, mas é melhor que morrer e ser definitivamente enterrado no cemitério
da História.
A via eficaz é apenas uma: fustigar abruptamente o valor da mão-de-obra,
desbaratar as empresas, gerar desemprego e miséria, com acentuada
desvalorização dos activos.
No princípio deste mês de Junho o ilustríssimo e respeitável senhor Carlos
Moedas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, explicava
claramente esta estratégia: “choques
necessários para corrigir os maus hábitos”.
Tentem os atentos leitores ver a coisa do lado da burguesia detentora da
riqueza. O senhor fulano é dono de uma empresa que vale 100 milhões em
equipamentos e gera um lucro de 3 milhões por mês. Portanto uma taxa de lucro
de 3%. Ocorre uma crise e o governo, inteligentemente, numa tentativa desesperada
de salvar o capitalismo, fomenta um processo de abrupta desvalorização ou
destruição de capital. O desgraçado do capitalista deprimido arrisca a
banca-rota e lá consegue vender a empresa por 10 milhões. Então, para o
felizardo que a comprou na Feira da Ladra, a taxa de lucro pode subir para 30%.
Depreende-se que um governo que gere desta forma a salvação do capital e do
domínio de classe da burguesia é um atento e competente estudioso de Marx.
É que na sua teoria das crises económicas, Marx demonstrava a imperiosa
necessidade de destruição de capital, referindo-se à destruição
do próprio valor em capital dos activos das empresas.
O que o bom governo de Portugal está a fazer é, simplesmente seguindo os
ensinamentos de Marx, utilizar armas de destruição massiça através de medidas
políticas macro-económicas que acentuam a desvalorização de activos.
Claro que há riscos. Qualquer acto político tem os seus riscos, mas ponderados
pela própria burguesia no caso que aqui se aborda.
Compulsivamente fantástica esta destruição, relativamente insegura nos seus
resultados, espera-se que funcione como regeneração estrutural e necessária da
mecânica económica e social.
Para renascer em toda a sua pujança, o capital deve fazer as suas próprias
vítimas, expurgar e extinguir atividades económicas que se tornaram obsoletas e
travam a tão necessária acumulação.
Trata-se de um natural, mas brutal processo de reciclagem e renascimento: o
capitalismo destroi é certo, mas cria e, depois, destroi de novo para de novo voltar
a criar.
O competente e inteligente ministro Vítor
Gaspar explica claramente no prefácio ao Documento de Estratégia Orçamental
(DEO): “O crescimento da procura interna e o
aumento do endividamento não conduziram ao crescimento económico
(...) o período prolongado de estagnação
económica é a prova inequívoca de que este regime não era sustentável.”
É que o dito aumento da procura interna pressuporia maior rendimento disponível
e maior poder aquisitivo. Contudo, a crise interna do capitalismo levou, a partir
dos anos 90, a uma adivinhada estagnação caracterizada já por crescimentos
débeis, interrompendo a necessária dinâmica de acumulação crescente e
sustentável.
Com o processo liberal de Tatcher e Reagan, o desemprego aumentou
significativamente, as empresas deslocalizaram-se para outras paragens e
assistiu-se à desregulação laboral com marcadas quebras salariais. Tudo isto
desvalorizou a força de trabalho e comprometeu o seu poder aquisitivo.
Este fenómeno, muito bem ajustado à lei da
queda tendencial da taxa de lucro, acabou
por fazer retroceder o consumo tornando excedentária a produção e desaguando na
crise. Superprodução e subconsumo são o
fundamento da crise.
O pânico começava a instaurar-se na burguesia capitalista atacada pelo pesadelo
de uma possível extinção se não conseguisse romper com a crise. A burguesia em
esquizofrenia aterrorizada pela baixa de lucro no negócio bancário, tenta o
caminho do crédito dos juros baratos e joga no casino dos créditos transferindo
o ónus da dívida para o sector público, livrando os privados, o grande capital
bancário, de ter de pagar pela crise.
Aliás esta crise é, antes de tudo, a crise do sistema bancário e das suas
loucuras durante a orgia neo-liberal. O crédito parecia compensar por algum
tempo, criando contudo as condições para a bolha que viria a rebentar. E para
não estar sempre a parafrasear o homem das barbas, já no princípio do século
passado, os riscos sistémicos da festa do crédito foram, por exemplo, bem
explicados por Rosa Luxemburgo
É então fundamental, na encenação do espectáculo burguês, no seio da população
menos atenta (e maioritária), criar as condições subjectivas necessárias à
prossecução das estratégias de recuperação da acumulação de capital, tão
fulcrais para evitar a morte anunciada por Marx.
Repete-se à boca-cheia a falsa ideia de que o Estado gastava o dinheiro irresponsavelmente
e que, também os cidadãos se tinham tornado gastadores compulsivos. Claro que
era mentira, mas a mentira repetida à exaustão torna-se verdade subjectiva e
todos (ou quase) passam a acreditar.
Na realidade, nem os Estados foram esbanjadores, nem sequer os cidadãos.
Mas é preciso instaurar o processo subjectivo. Instalar a crença de que o pobre
do sem-abrigo, irresponsavelmente, decidiu comprar a prestações uma tenda de
campismo a fim de melhorar as suas condições materiais de vida!
E assim ficam criadas as condições subjectivas para o espectáculo prosseguir.
Justifica-se igualmente a austeridade em oposição a medidas contra-cíclicas na
medida em que, estas, conduzindo à expansão da massa monetária, gerariam
inflação e levariam os credores bancários a enfrentar perdas e desvalorização
dos seus créditos.
A dívida e a falência dos bancos, para os austeritários, tem de ser salva pelo
povo, financiada com o abrupto empobrecimento dos trabalhadores, privados de
qualquer apoio contra-cíclico, que têm de pagar pela festança do capital
bancário na era do neo-liberalismo, para que este não arrisque sequer a mínima
beliscadura no valor dos seus créditos.
Mas, inteligentemente, o grande ideólogo Gaspar vai mais longe. Vamos lá convencer
ainda a malta de que a dívida soberana é também responsável pela crise, o que
serve para justificar o agravamento da tão necessária austeridade.
À primeira vista a austeridade pode parecer uma insanidade política, económica
e social. Contudo, o governo português que gere os negócios do capital não é um
bando de loucos desprovidos de inteligência. É bom não os subestimar.
Então interroguemo-nos:
Porque é que o sector financeiro insiste numa política que impede o crescimento
económico?
Porque é que há um sector capitalista que trava o crescimento da produção e da
economia?
É que, de facto, a saída da depressão não constitui o interesse mais directo e
imediato destas forças. Pungente para o capital financeiro é a política da guerra
de classe contra os trabalhadores e contra os pequenos e médios negócios
capitalistas.
É aproveitar para quebrar os sindicatos e destruir as redes de solidariedade constituídas
em torno do Estado Social. As primeiras vítimas do austeritarismo são os
funcionários públicos contra os quais se lançam campanhas terroristas de pavor
económico e social.
O que parece animar a agressividade da política do capital é o aproveitamento da
onda para destruir os mecanismos de solidariedade entre trabalhadores, em
concreto o movimento sindical. Em geral, a linha austeritária visa obter uma
abrupta desvalorização do valor da mão-de-obra para assim restaurar a taxa de
lucro.
Marx cunhou a expressão capital fictício
e dá-lhe conteúdo no capítulo 29 do livro III de “O Capital”. Trata-se de uma
forma de capital-dinheiro, em vez de detentores de meios de produção e/ou de
força de trabalho. O seu jogo é aceder à partilha do rendimento que as empresas
de produção alcançam com a venda dos seus produtos. O juro, outros serviços da
dívida e as rendas da terra constituem o fulcro desta forma de capital.
A austeridade é precisamente a maneira de privilegiar esta forma de capital
sobre o capital produtivo, fazendo com que o valor extraído do processo
económico pelo capital produtivo sirva afinal para satisfazer as
obrigações contraídas para com o capital fictício. No fundo é garantir,
antes de tudo, a renda dos credores sobre a produção e tornar o Estado e a
economia nacional em sustendo válido e garantido dessa renda. A este processo
tem sido igualmente atribuído o epíteto de “financeirização
do capital”.
Neste contexto, em Portugal trava-se hoje uma luta titânica entre o ameaçado
capital produtivo representado pelo
PS, ou pelos seus sectores direitistas hoje maioritários, e o resplandecente
capital fictício representado pelo
PSD e alimentado pelos ideais dos seus parceiros alemães.
Tenta-se do lado austeritário que o capitalismo se torne cada vez mais
parasitário e rentista, o que faz com que cada vez mais valor criado pelos
trabalhadores vá, não para investimento directamente produtivo, mas para um
sector financeiro não directamente produtivo e como se constata, largamente
destrutivo.
A austeridade é a garantia da continuação da riqueza e poder deste sector do
capitalismo hoje claramente representado pelo governo português.
Em conclusão, o governo português, maquiavelicamente inteligente e exímio estratega
do capital fictício, está a executar
um plano maduramente concebido e meticulosamente desenhado para fazer emergir o
mundo novo do “capital financeirizado”, a nova fase do capitalismo europeu.
Desenganem-se então os que pensam que o governo de Portugal é um bando de
incompetentes.
A generalização desta ideia é conveniente ao desenvolvimento do espectáculo encenado
todos os dias pelo outro capital em competição com este, o ameaçado capital produtivo representado pelo PS.
Claro que existe uma contradição difícil de gerir. Sem capital produtivo não há capital fictício. Mas a acumulação de capital fictício requer o controlo afinado e
preciso do primeiro pelo segundo. É um complexo desafio que o capital fictício tem que saber gerir com pinças
e luvas brancas, porque o mais pequeno erro pode levar a um processo de
recessão descontrolada, que pode ser dramática para o processo de acumulação do
capital fictício. É um jogo delicado
num trapézio sem rede. Consubstancia-se no namoro despudorado PS/PSD/CDS a que
todos assistimos, obviamente numa espectacular encenação de contradição
Oposição/Governo.
Voltando atrás. Não! Estão muito longe de ser incompetentes. Podem ser
perversos, mal-formados, completamente desumanos, frios, calculistas,
monstruosamente pérfidos. Mas é imensa a sua inteligência e sabedoria. Um
Comité de Negócios do grande capital fictício
que,subservientemente, o serve com toda a competência.
Com afinco e destreza destrói a economia nacional, abrindo também caminho à
apropriação capitalista dos escombros do sector produtivo, que os reaproveitará
reconfigurando-os em fantásticas oportunidades de negócio.
Que gera uma taxa insuportável de desemprego para criar mão de obra submissa e
barata para servir a burguesia capitalista, fazer crescer o lucro do capital produtivo, rentabilizando ainda mais a
acumulação de capital fictício.
Que tenta a todo o custo domesticar, através da chantagem, da ameaça e do
terror os trabalhadores.
Que cria as condições subjectivas necessárias à criação de um sub-mundo de
servos obedientes dos seus próprios interesses.
Que desapropria o Estado, diga-se, o povo, dos seus sectores-chave como a
saúde, a educação, os transportes, a comunicação social, etc., porque estes se
transformaram em fabulosos negócios, mas que têm que ser reconfigurados do
ponto de vista produtivo, para
aumentar o lucro fictício.
Que explora a natureza para além dos seus limites de sustentabilidade para,
através da espoliação dos recursos naturais, possibilitar a acumulação
crescente de capital tão necessário à manutenção do domínio de classe pela
burguesia.
ENFIM, ESTE É O BOM GOVERNO DE PORTUGAL!
E são mesmo bons!!!
Mas... todos sabemos
que o feitiço se pode virar contra o feiticeiro.
Cabe aos
trabalhadores, na sua luta titânica, arrasar o feiticeiro.